Dra. Natália Junkes Milioli

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    Dra. Natália Junkes Milioli

    Médica especialista em Gastroenterologia | Pesquisadora na área de Gastroenterologia e Doenças inflamatórias Intestinais | Publicações de artigos em Revistas Internacionais da área | Premiada na Europa em 2024.

Vamos aproveitar que maio é o mês de conscientização da doença celíaca para entender melhor como esta condição funciona?

A Doença Celíaca afeta cerca de 1 a cada 100 pessoas no mundo, embora muitos casos ainda não sejam diagnosticados. Ou seja, milhões de pessoas convivem com a condição sem saber, muitas vezes porque os sintomas são leves, confundidos com outras doenças ou até mesmo inexistentes. Ela pode surgir em qualquer idade — desde a infância até a vida adulta — e acomete tanto homens quanto mulheres, sendo mais comum entre aqueles com histórico familiar da doença ou outras doenças autoimunes, como diabetes tipo 1 e tireoidite.

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trigo
gluten

O que acontece no organismo de quem tem Doença Celíaca?

A Doença Celíaca é uma condição autoimune crônica, o que significa que o próprio sistema imunológico da pessoa — que deveria protegê-la contra vírus, bactérias e outros agentes externos — passa a atacar estruturas saudáveis do corpo, como se fossem uma ameaça. No caso da Doença Celíaca, esse ataque acontece quando a pessoa ingere glúten, uma proteína presente em cereais como trigo, cevada e centeio.

Ao consumir alimentos com glúten, o organismo de quem tem a doença reage de forma inadequada, promovendo um processo inflamatório no intestino delgado. Mais especificamente, essa inflamação danifica as vilosidades intestinais — estruturas microscópicas em forma de “dedinhos” que revestem a parede interna do intestino e são essenciais para a absorção de nutrientes. Com o tempo, essas vilosidades vão se achatando, o que reduz significativamente a capacidade de absorver vitaminas, minerais e outros elementos importantes dos alimentos.

Essa perda de função intestinal pode gerar deficiências nutricionais graves, como anemia por falta de ferro, baixa de cálcio e vitamina D (aumentando o risco de osteopenia e osteoporose), deficiência de vitaminas do complexo B, entre outras. Como consequência, a pessoa pode desenvolver uma ampla variedade de sintomas, que não se limitam ao sistema digestivo. Fadiga crônica, alterações de humor, dor de cabeça, infertilidade, problemas de crescimento em crianças, manifestações neurológicas e até alterações na pele (como a dermatite herpetiforme) são manifestações possíveis da doença, justamente pela forma como o intestino deixa de nutrir adequadamente o organismo.

É importante destacar que nem todas as pessoas celíacas apresentam sintomas intensos. Algumas têm queixas leves e inespecíficas, enquanto outras podem ser assintomáticas — o que torna o diagnóstico mais desafiador. Ainda assim, a inflamação silenciosa continua acontecendo e pode trazer complicações sérias se não for tratada.na crônico, ou seja, que não desaparece sozinho.

Mas afinal, o que é o glúten e onde ele está?

O glúten é uma proteína natural encontrada em três cereais amplamente consumidos: trigo, centeio e cevada. Essa proteína é responsável por dar elasticidade às massas, contribuindo para a textura macia e a estrutura dos alimentos panificados. Embora seja inofensiva para a maior parte da população, nas pessoas com Doença Celíaca, o glúten desencadeia uma reação imunológica agressiva e prejudicial ao intestino delgado.

O glúten está presente em muitos alimentos do dia a dia, inclusive em preparações que nem sempre são óbvias. Alguns exemplos comuns incluem:

  • Pães, bolos, torradas, bisnaguinhas e massas em geral (macarrão, lasanha, pizza, cuscuz de trigo)
  • Biscoitos, salgadinhos, cereais matinais e granolas
  • Cervejas tradicionais e bebidas fermentadas à base de malte
  • Empanados, nuggets, molhos prontos, caldos industrializados, temperos em pó e sopas de pacote
  • Alimentos industrializados, como hambúrgueres, patês, barras de cereais, chocolates com recheios e até alguns iogurtes e sorvetes, que podem conter glúten como aditivo, usado para dar consistência, sabor ou aumentar o tempo de validade.

Além dos ingredientes óbvios, há ainda o risco da chamada contaminação cruzada. Isso ocorre quando um alimento naturalmente livre de glúten entra em contato com utensílios, superfícies, equipamentos ou alimentos que contêm glúten. Por exemplo, usar a mesma torradeira para pão com e sem glúten, ou preparar alimentos em panelas que não foram devidamente higienizadas, pode ser suficiente para causar sintomas e inflamação em pessoas celíacas. Esse risco é especialmente alto em restaurantes, padarias e cozinhas que não possuem áreas separadas para o preparo dos alimentos.

Por isso, a dieta celíaca exige atenção total aos detalhes: não basta apenas excluir os ingredientes evidentes — é necessário ler rótulos com cuidado, conhecer os riscos de contaminação cruzada e, sempre que possível, optar por alimentos certificados como “livres de glúten”. O acompanhamento com um nutricionista especializado é essencial para orientar substituições seguras e garantir uma alimentação equilibrada.

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Sintomas da Doença Celíaca: muito além do intestino

A Doença Celíaca não se manifesta da mesma forma em todas as pessoas. Enquanto alguns apresentam sintomas digestivos intensos, outros têm manifestações mais sutis ou até fora do sistema gastrointestinal.

Sintomas intestinais (gastrointestinais)

São os mais conhecidos e costumam ocorrer com mais frequência em crianças, mas também podem afetar adultos. Incluem:

  • Diarreia crônica ou intermitente
  • Inchaço abdominal e gases em excesso
  • Dor ou desconforto abdominal
  • Náuseas e vômitos
  • Constipação (intestino preso)
  • Fezes gordurosas e com odor forte (esteatorreia)
  • Perda de peso involuntária
  • Falta de apetite

Esses sintomas ocorrem porque a inflamação no intestino atrapalha a digestão e a absorção adequada dos nutrientes, o que prejudica o funcionamento de todo o organismo.

Sintomas extraintestinais (fora do sistema digestivo)

A Doença Celíaca é sistêmica, ou seja, afeta diversos órgãos além do intestino. Alguns sinais importantes incluem:

  • Cansaço e fraqueza (muitas vezes relacionados à anemia por deficiência de ferro)
  • Queda de cabelo
  • Alterações de humor, como irritabilidade, ansiedade e depressão
  • Dores articulares
  • Problemas de pele, como dermatite herpetiforme (um tipo de erupção com bolhas e coceira intensa)
  • Atraso no crescimento e puberdade em crianças
  • Baixa estatura
  • Alterações menstruais, infertilidade e abortos de repetição
  • Úlceras na boca e dores de cabeça
  • Formigamentos, dormência e desequilíbrios, relacionados à deficiência de vitaminas (como B12)

Essas manifestações ocorrem justamente pela má absorção dos nutrientes essenciais e pela inflamação persistente.

Condições de saúde associadas à Doença Celíaca

Na suspeita de Doença Celíaca, é importante estar atento a outras condições de saúde associadas, que podem servir como uma espécie de “pista” para o diagnóstico. Muitas delas são doenças autoimunes que compartilham uma predisposição genética semelhante, como:

  • Diabetes tipo 1
  • Doença autoimune da tireoide (como hipotireoidismo ou tireoidite de Hashimoto)
  • Hepatite autoimune
  • Psoríase
  • Vitiligo
  • Doença celíaca em familiares de primeiro grau (pais, irmãos e filhos têm risco aumentado)
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Como saber se eu tenho Doença Celíaca?

O diagnóstico da Doença Celíaca não depende de apenas um exame, mas sim de uma avaliação em conjunto feita por um médico experiente. O processo inclui:

  1. Avaliação clínica: análise de sintomas (como diarreia, inchaço abdominal, perda de peso, anemia, alterações de humor, infertilidade ou osteoporose precoce).
  2. Exames de sangue: para detectar anticorpos específicos contra o glúten (como o anti-transglutaminase).
  3. Endoscopia com biópsia do intestino delgado: que confirma a inflamação e o dano às vilosidades.
  4. Teste genético (HLA-DQ2/DQ8): usado apenas para casos com o diagnóstico duvidoso. A ausência desses genes praticamente exclui o diagnóstico.

⚠️ Importante: não retire o glúten da sua alimentação antes de realizar os exames, pois isso pode comprometer os resultados e dificultar o diagnóstico.

Como é feito o tratamento da Doença Celíaca atualmente?

O tratamento da Doença Celíaca é único, definitivo e não envolve medicamentos: consiste na retirada total e permanente do glúten da alimentação. Isso significa eliminar completamente qualquer alimento que contenha trigo, centeio e cevada — mesmo em quantidades muito pequenas. Não existe “comer só um pouquinho” ou “abrir exceção de vez em quando” quando se trata de Doença Celíaca. Qualquer exposição ao glúten pode causar inflamação no intestino, mesmo sem provocar sintomas imediatos.

Para que o tratamento funcione, é essencial:

  • Eliminar 100% do glúten da dieta
  • Evitar a contaminação cruzada, ou seja, o contato acidental com alimentos ou utensílios que tiveram contato com glúten
  • Ler os rótulos com atenção, buscando sempre produtos certificados como “livres de glúten”
  • Ter acompanhamento com um nutricionista especializado, que vai orientar substituições seguras e uma alimentação equilibrada

Nos primeiros meses após o diagnóstico, pode ser necessário suplementar vitaminas e minerais, como ferro, cálcio, vitamina D, zinco e vitaminas do complexo B, já que o intestino lesionado pode ter prejudicado a absorção desses nutrientes por um longo período. Com a exclusão correta do glúten, as vilosidades intestinais tendem a se regenerar, e os sintomas — mesmo os que ocorrem fora do intestino — costumam melhorar significativamente.

Embora a maioria dos pacientes apresente boa resposta à dieta, em casos raros pode haver uma forma mais resistente, chamada Doença Celíaca Refratária. Nela, mesmo após a retirada completa do glúten, a inflamação intestinal persiste. Esses casos exigem investigação cuidadosa para excluir outros diagnósticos e, quando confirmados, podem requerer tratamento com medicamentos imunossupressores sob acompanhamento especializado. Felizmente, essa forma é pouco comum e representa uma exceção.

O mais importante é entender que, com adesão rigorosa à dieta e acompanhamento adequado, a Doença Celíaca pode ser totalmente controlada, permitindo uma vida saudável, plena e sem limitações.

E se eu não tratar, o que acontece?

Mesmo quem não sente nada precisa tratar. A ingestão contínua de glúten em pessoas celíacas provoca uma inflamação crônica que destrói o intestino aos poucos, levando à má absorção de nutrientes, anemia, osteoporose, infertilidade, problemas neurológicos e até risco aumentado de câncer intestinal (como o linfoma). Também pode surgir ou se agravar outras doenças autoimunes.

Por isso, mesmo que a pessoa “não sinta nada”, a dieta isenta de glúten deve ser seguida à risca, para garantir a saúde no presente e no futuro.

Natália Junkes Milioli – Doctoralia.com.br

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