Dra. Natália Junkes Milioli

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    Dra. Natália Junkes Milioli

    30/11/2023

A conexão entre a ingesta de glúten e os sintomas relacionados à doença celíaca começou a ser melhor compreendida em 1950 apenas. Dentro da história da medicina, esta pode ser considerada uma doença relativamente nova e recentemente entendida com mais profundidade. Por conta disso, o seu diagnóstico ainda é um desafio, e frequentemente encontramos pacientes com diagnósticos tardios da condição, e carentes de informações de qualidade que os auxiliem no processo de adaptação após o diagnóstico.

Portanto, este texto é dedicado a você, que recebeu o diagnóstico da doença ou está sob forte suspeita, enfrentando um momento repleto de incertezas. Meu propósito é abordar os principais questionamentos relacionados a essa condição, guiando-o para um entendimento mais profundo que o auxilie na gestão da doença em seu cotidiano. Vamos lá?

O que é a doença celíaca?

A doença celíaca é um distúrbio imunológico desencadeado por um agente ambiental (o componente glúten do trigo e cereais relacionados) em indivíduos geneticamente predispostos, ou seja o diagnóstico da doença não é para quem quer é para quem pode, uma vez que esta relacionado a fatores genéticos.

O que é o glúten, afinal?

O glúten é uma mistura de proteínas encontrada em cereais como trigo, centeio, cevada e aveia (quando cultivada em áreas próximas a cereais que contêm glúten). Essas proteínas são chamadas de gliadina e glutenina e são responsáveis pela elasticidade da massa de pão, conferindo-lhe a textura mastigável.

Doença Celíaca
Glúten

Se eu tenho a genética para doença celíaca certamente irei desenvolver a doença?

A resposta é não. Quando falamos de predisposição genética, falamos de probabilidades e não de certezas. Você pode ter o gene para doença celíaca e ainda assim não o expressar ao longo da vida. Veja, 99% dos pacientes portadores da doença, possui o HLA DQ2 ou DQ8 (locus do gene que determina a doença), mas cerca de 30-40% das pessoas portadoras do gene irão desenvolver a doença.

Os fatores associados a chance de expressão da doença ainda não são completamente entendidos, mas existem algumas teorias que suplantam a possibilidade de redução dos riscos. Infelizmente são estudos ainda pequenos e sem comprovações. Podemos conversar um pouco melhor sobre esse tema em um próximo artigo.

Como ocorre a inflamação gerada pelo glúten?

Muito se discute sobre o papel inflamatório do glúten, mas é importante ressaltar que isso é uma verdade apenas para os pacientes diagnosticados com doença celíaca. Ter sintomas gastrointestinais após consumir glúten não necessariamente implica em inflamação no intestino. A dinâmica envolvida é consideravelmente mais complexa. Em indivíduos com doença celíaca, o glúten pode desencadear uma resposta imunológica exacerbada, pois o corpo erroneamente identifica o glúten como uma ameaça. Isso resulta em uma inflamação intensa na parede do intestino delgado, gerando dano às vilosidades intestinais responsáveis pela ampla absorção de nutrientes. Essa inflamação ocorre apenas após a exposição ao glúten, mesmo que em pequenas quantidades, e pode também se estender a outros órgãos e tecidos do corpo.

Quais as consequências da ingesta do glúten em portadores de doença celíaca?

A inflamação ocasionada pelo glúten na parede do intestino resulta em um infiltrado inflamatório crônico capaz de destruir as vilosidades intestinais causando atrofia, o que compromete a absorção de nutrientes e vitaminas. As consequências no longo prazo são significativas. Segue abaixo as principais:

  1. Problemas Nutricionais: A falta de absorção adequada de nutrientes pode levar a deficiências nutricionais, afetando negativamente o desenvolvimento, crescimento e manutenção geral do corpo.
  2. Osteoporose: A doença celíaca não tratada pode aumentar o risco de desenvolver osteoporose devido à má absorção de cálcio e vitamina D.
  3. Problemas no Sistema Reprodutivo: Mulheres com doença celíaca não tratada podem enfrentar complicações no sistema reprodutivo, incluindo atrasos na menstruação e infertilidade.
  4. Intolerância ao Lactose: A inflamação pode afetar a produção da enzima lactase, resultando em intolerância à lactose.
  5. Anemia: A deficiência de ferro causada pela má absorção de nutrientes pode levar à anemia, causando fadiga, fraqueza e outros sintomas relacionados.

Quais os sintomas mais comuns?

Os sintomas clássicos na infância são diarreia volumosa, amarelada e com odor fétido associado a aumento da flatulência. Além disso existem os sintomas indiretos relacionados às deficiências nutricionais como comprometimento de esmalte dentário, comprometimento do crescimento e sintomas de fadiga relacionados a anemia.

No adulto os sintomas podem não ser tão claros. Uma parcela geralmente cursa com diarreia, flatulência, náuseas e dor abdominal mas não é incomum ter a doença de forma pouco sintomática. É sempre importante lembrar dos sintomas relacionados às carências nutricionais assim como na infância.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito a partir do somatório de vários fatores. Inicialmente, diante da suspeita, o médico irá aplicar uma série de perguntas acerca de história familiar, sintomas, crescimento e desenvolvimento, padrão alimentar, demais doenças que o paciente possa ter diagnosticado ao longo da vida, entre outros. Em seguida, se o diagnostico for de fato uma possibilidade, você irá realizar exames de sangue com testes sorológicos, que se alterados serão complementados com endoscopia digestiva alta para coleta de biópsias do intestino. Temos ainda o recurso dos testes genéticos que podem ser utilizados em casos bastante específicos. De forma geral o diagnóstico final é plenamente possível através de exames de sangue e biópsia.

Após o diagnóstico, devo ficar sem consumir glúten para sempre?

Infelizmente, se o seu diagnóstico for confirmado, é mandatória a exclusão completa do glúten da dieta a fim de impedir as consequências deletérias ocasionadas pela inflamação crônica. Será importante, além do acompanhamento médico, um acompanhamento nutricional para que você esteja atento aos alimentos que contenham glúten e aprenda a fazer substituições inteligentes. Neste processo será importante aprender a fazer a leitura de rótulos com cuidado.

Os principais alimentos que contém glúten ou estão potencialmente contaminados seguem abaixo:

  • Trigo: Pão de trigo; massas (macarrão, espaguete); bolos e biscoitos feitos com farinha de trigo; cereais à base de trigo
  • Centeio: Pão de centeio; produtos de panificação que contenham centeio
  • Cevada: Cerveja (a cevada é um dos principais ingredientes); produtos de panificação com cevada
  • Aveia: aveia tradicionalmente processada pode conter glúten devido à contaminação cruzada! Mas atenção, existem algumas opções no mercado livres de contaminação e, portanto, passíveis de consumo.
  • Alimentos Processados: muitos alimentos processados podem conter glúten como ingrediente, portanto, é importante verificar os rótulos de produtos industrializados.

É importante ressaltar que ao ir em um restaurante, deve-se estar atento a forma de preparo dos alimentos que não contenham glúten. Não basta utilizar ingredientes livres de glúten, mas também estabelecer medidas que impeçam a contaminação durante o preparo do alimento, como a adequada higienização dos utensílios como panela e talheres, a fim de evitar a contaminação cruzada. O ideal é evitar todo o tipo de contato.

Quais as principais substituições alimentares que podem ser feitas?

Outras fontes de farinha:

  • Farinha de arroz: Pode ser usada em muitas receitas de panificação.
  • Farinha de milho: Ideal para receitas salgadas e produtos de panificação.
  • Farinha de amêndoas: Rica em proteínas e gorduras saudáveis, é usada em muitas receitas de sobremesas.
  • Farinha de coco: Boa alternativa para panificação sem glúten.

Outras Fontes de Grãos Sem Glúten:

  • Quinoa: Versátil e rica em proteínas.
  • Amaranto: Contém proteínas de alta qualidade e é uma boa fonte de fibras.

Amidos e Gomas:

  • Amido de batata: Pode ser usado para dar textura e espessar receitas.
  • Amido de tapioca: Ótimo para dar elasticidade e textura a produtos de panificação.
  • Goma xantana e goma guar: Adicionadas para melhorar a elasticidade e a consistência de massas sem glúten.
Doença Celíaca
Glúten

Se você foi diagnosticado com doença celíaca, é fundamental realizar visitas regulares ao gastroenterologista. Exames periódicos são essenciais para garantir o controle da inflamação e assegurar que o intestino esteja desempenhando eficientemente sua função de absorver nutrientes. Com o apoio adequado, enfrentar esse desafio torna-se mais fácil, não concorda?

Natália Junkes Milioli – Doctoralia.com.br

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